terça-feira, junho 29, 2010

PEDAGOGIA DA AUTONOMIA


RESUMO





Primeiras Palavras:
- A formação docente ao lado da reflexão sobre a prática educativo-progressista em favor da autonomia do ser dos educandos é a temática central do livro.
- Como o ser humano é inconcluso e está em permanente movimento de procura, considero que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas.
- Critico o neoliberalismo pelo cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia.
- Não tenho nenhum interesse em assumir um ar de observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos, porém, assumo uma posição rigorosamente ética. Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O meu ponto de vista é o dos “condenados da Terra”, o dos excluídos.
- Não aceito ações terroristas, pois que delas resultam a morte de inocentes e a insegurança de seres humanos. O terrorismo nega o que chamo de ética universal do ser humano.
- Formação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o diferente, não permitir que o nosso mal-estar pessoal ou nossa antipatia com relação ao outro nos façam acusá-lo do que não fez são obrigações a cujo cumprimento devemos humilde mas perseverantemente nos dedicar.
- É no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude.
- Somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro é problemático e não inexorável.
- A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neoliberal anda solta no mundo. Com ares de pós-modernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”.
Capítulo 1: Não há docência sem discência:
- A reflexão crítica sobre a prática é uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo.
- É preciso que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção.
- Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender.
- Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.
- Quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve a “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto.
- Em que pese o ensino “bancário”, que deforma a necessária criatividade do educando e do educador, o educando a ele sujeitado pode, não por causa do conteúdo cujo “conhecimento” lhe foi transferido, mas por causa do processo mesma de aprender, dar, como se diz na linguagem popular, a volta por cima e superar o autoritarismo e o erro epistemológico do “bancarismo”.
1)Ensinar exige rigorosidade metódica:
- Umas das tarefas primordiais do educador democrático é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis. Isto implica ou exige a presença de educadores e educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes.
- Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Assim a tarefa docente consiste não apenas de ensinar os conteúdos mas também ensinar a pensar certo.
- O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória - não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro.
- Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiados certos de nossas certezas.
- O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã.
- Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente.
2) Ensinar exige pesquisa:
- Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.
- A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. O saber de pura experiência feito. Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando.
3) Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos:
- A escola deve, não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela, saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidada pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes.
- 4) Ensinar exige criticidade:
- A curiosidade ingênua que, “desarmada”, está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosidade epistemológica. Muda de qualidade mas não de essência. Os cientistas e os filósofos superam, porém, a ingenuidade da curiosidade do camponês e se tornam epistemologicamente curiosos.
- A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital.
- Precisamente porque a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil.
5) Ensinar exige estética e ética:
- A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Docência e boniteza de mãos dadas.
- A prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza.
- Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado.
- Pensar certo, pelo contrário, demanda profundidade e não superficialidade na compreensão e na interpretação dos fatos. E não é possível mudar e fazer de conta que não mudou. É que todo pensar certo é radicalmente coerente.
6) Ensinar exige corporeificação das palavras pelo exemplo:
- Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo.
- Não é possível ao professor pensar certo mas ao mesmo tempo perguntar ao aluno se “sabe com quem está falando”.
7) Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação:
- É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico. O velho que preserva sua vitalidade ou que encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua novo.
- Faz parte do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.
- Não há inteligência – a não ser quando o próprio processo de inteligir é distorcido – que não seja também comunicação do inteligido. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico.
8) Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática:
- A prática docente crítica envolve o movimento, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
- É fundamental que, na prática de formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.
- Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela “aproxima-lo” ao máximo.
- Não é possível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade para mudar.
- Está errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente formador. O que a raiva não pode é, perdendo os limites que a confirmam, perder-se em raivosidade que corre sempre o risco de se alongar em odiosidade
9) Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural:
- - Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.
- A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos. E isto o puro treinamento do professor não faz.
- A solidariedade social e política de que precisamos para construir a sociedade menos feia e menos arestosa, em que podemos ser mais nós mesmos, tem na formação democrática uma prática de real importância. A aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado.
- Uma das razões que explicam o descaso em torno do que ocorre no espaço-tempo da escola, que não seja a atividade ensinante, vem sendo uma compreensão estreita do que é educação e do que é aprender. Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais, nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação.
- Como cobrar das crianças um mínimo de respeito às carteiras escolares, às mesas, às paredes se o Poder Público revela absoluta desconsideração à coisa pública? È incrível que não imaginemos a significação do “discurso” formador que faz uma escola respeitada em seu espaço. A eloqüência do discurso “pronunciado” na e pela limpeza do chão, na boniteza das salas, na higiene dos sanitários, nas flores que adornam. Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço.
- O que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai gerando a coragem.
Capítulo 2: Ensinar não é transferir conhecimento:
- Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.
- Pensar certo é uma postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos de assumir diante dos outros e com os outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos. É difícil, entre outras coisas, pela vigilância constante que temos de exercer sobre nós próprios para evitar os simplismos, as facilidades, as incoerências grosseiras.
- O clima do pensar certo não tem nada que ver com o das fórmulas preestabelecidas, mas seria a negação do pensar certo se pretendêssemos forjá-lo na atmosfera da licenciosidade ou do espontaneísmo. Sem rigorosidade metódica não há pensar certo.
1) Ensinar exige consciência do inacabamento:
- O inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente.
- A experiência humana no mundo muda de qualidade com relação à vida animal no suporte. O suporte é o espaço, restrito ou alongado, a que o animal se prende “afetivamente” tanto quanto para resistir; é o espaço necessário a seu crescimento e que delimita seu domínio. É o espaço em que, treinado, adestrado, “aprende” a sobreviver, a caçar, a atacar, a defender-se num tempo de dependência dos adultos imensamente menor do que é necessário ao ser humano para as mesmas coisas. Quanto mais cultural é o ser maior a sua infância, sua dependência de cuidados especiais.
- A vida no suporte não implica a linguagem nem a postura erecta que permitiu a liberação das mãos. Mãos que, em grande medida, nos fizeram. Quanto maior se foi tornando a solidariedade entre mente e mãos, tanto mais o suporte foi virando mundo e a vida, existência. O suporte veio fazendo-se mundo e a vida, existência, na proporção que o corpo humano vira corpo consciente, captador, apreendedor, transformador, criador de beleza e não “espaço” vazio a ser enchido por conteúdos.
- A invenção da existência envolve, necessariamente, a linguagem, a cultura, a comunicação em níveis mais profundos e complexos do que ocorria e ocorre no domínio da vida, a “espiritualização” do mundo, a possibilidade de embelezar como de enfear o mundo e tudo isso inscreveria mulheres e homens como seres éticos. Só os seres humanos que se tornaram éticos podem romper a ética.
- No momento em que os seres humanos, intervindo no suporte, foram criando o mundo, inventando a linguagem com que passaram a dar nome às coisas que faziam com a ação sobre o mundo, na medida em que se foram habilitando a inteligir o mundo e criaram por conseqüência a necessária comunicabilidade do inteligido, já não foi possível existir a não ser disponível à tensão radical e profunda entre o bem e o mal,, entre a dignidade e a indignidade, a decência e o despudor, entre a boniteza e a feiúra do mundo. Quer dizer, já não foi possível existir sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, de lutar, de fazer política. E tudo isso nos traz de novo à imperiosidade da prática formadora, de natureza eminentemente ética. E tudo isso nos trás de novo à radicalidade da esperança.
2) Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado:
- Como gente, percebo que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo.
- O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História.
- Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam.
- O mundo da cultura que se alonga em mundo da história é um mundo de liberdade, de opção, de decisão, mundo de possibilidade em que a decência pode ser negada, a liberdade ofendida e recusada. Por isso mesmo a capacitação de mulheres e de homens em torno de saberes instrumentais jamais pode prescindir de sua formação ética.
- A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca.
- Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível.
3) Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando:
- Outro saber necessário à prática educativa é o que fala do respeito devido à autonomia do ser do educando Precisamente porque éticos podemos desrespeitar a rigorosidade da ética.e resvalar para sua negação, por isso é imprescindível deixar claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra designação senão a de transgressão. O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência.
- É preciso deixar claro que a transgressão da eticidade jamais pode ser vista ou entendida como virtude, mas como ruptura com a decência. O que quero dizer é o seguinte: que alguém se torne machista, racista, classista, sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da natureza humana.
4) Ensinar exige bom senso:
- É o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo não é sinal de autoritarismo de minha parte. É a minha autoridade cumprindo o seu dever. Não resolvemos bem, ainda, entre nós, a tensão que a contradição autoridade-liberdade nos coloca e confundimos quase sempre autoridade com autoritarismo, licença com liberdade.
- Quanto mais pomos em prática de forma metódica a nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso bom senso.
- Quando há algo a ser compreendido, isto é a tarefa da ciência que, sem o bom senso do cientista, pode se desviar e se perder. Não tenho dúvida do insucesso do cientista a quem falte a capacidade de adivinhar, o sentido da desconfiança, a abertura à dúvida, a inquietação de quem não se acha demasiado certo das certezas. Tenho pena e, às vezes medo, do cientista demasiado seguro da segurança, senhor da verdade e que não suspeita sequer da historicidade do próprio saber.
- As qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Este esforço, o de diminuirmos a distância entre o discurso e a prática, é já uma dessas virtudes indispensáveis – a da coerência. Como posso falar em meu respeito ao educando se o testemunho que a ele dou é o da irresponsabilidade, o de quem não cumpre o seu dever, o de quem não se prepara ou se organiza para a sua prática, o de quem não luta por seus direitos e não protesta contra as injustiças?
- O professor tem o dever de dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de condições favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas, sem as quais se move menos eficazmente no espaço pedagógico.
5) Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores:
- Se há algo que os educandos brasileiros precisam saber, desde a mais tenra idade, é que a luta em favor do respeito aos educadores e à educação inclui que a briga por salários menos imorais é um dever irrecusável e não só um direito deles. A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética.
- O meu respeito de professor à pessoa do educando exige de mim: o cultivo da humildade e da tolerância (reconhecer o que não sabe, aprender a conviver com os diferentes, desenvolver a amorosidade aos educandos).
- Quando ofendido como gente e/ou profissional não posso desgostar nem exercê-la mal. A minha resposta à ofensa à educação é a luta política consciente, crítica, e organizada contra os ofensores.
- Uma das formas de luta contra o desrespeito dos poderes públicos pela educação, de um lado, é a nossa recusa a transformar nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a entendê-la e a exercê-la como prática afetiva de “tias e de tios”.
- É como profissionais idôneos – na competência que se organiza politicamente que está talvez a maior força dos educadores – que eles e elas devem ver-se a si mesmos e a si mesmas.
- Os órgãos de classe deveriam priorizar o empenho de formação permanente dos quadros do magistério como tarefa altamente política e repensar a eficiência das greves. Reinventar a forma histórica de lutar.
6) Ensinar exige apreensão da realidade:
- A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar mas sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, fala de nossa educabilidade a um nível distinto do nível do adestramento dos outros animais ou do cultivo das plantas. A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, sugere ou, mais do que isso, implica a nossa habilidade de apreender a substantividade do objeto aprendido. É precisamente por causa desta habilidade de apreender a substantividade do objeto que nos é possível reconstruir um mal aprendizado, o em que o aprendiz foi puro paciente da transferência do conhecimento feita pelo educador.
- Toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí seu cunho gnosiológico.
- Como professor, se minha opção é progressista e venho sendo coerente com ela, se não me posso permitir a ingenuidade de pensar-me igual ao educando, de desconhecer a especificidade da tarefa do professor, não posso, por outro lado, negar que o meu papel fundamental é contribuir positivamente para que o educando vá sendo o artífice de sua formação com a ajuda necessária do educador.
- Minha posição tem de ser a de respeito à pessoa que queira mudar ou que recuse mudar. Não posso negar-lhe ou esconder-lhe minha postura mas não posso desconhecer o seu direito de rejeitá-la.
7) Ensinar exige alegria e esperança:
- Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria. A esperança faz parte da natureza humana. A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela, não haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há tempo problematizado e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da História. Uma de nossas brigas como seres humanos deve ser dada no sentido de diminuir as razões objetivas para a desesperança que nos imobiliza.
8) Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível:
- No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar. O conhecimento sobre terremotos desenvolveu toda uma engenharia que nos ajuda a sobreviver a eles. Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela. É por isso também que não me parece possível nem aceitável a posição ingênua ou, pior, astutamente neutra de quem estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o pensador da educação. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra.
- A resistência – a orgânica e/ou a cultural - ao descaso ofensivo de que os miseráveis são objeto, no fundo, são manhas necessárias à sobrevivência física e cultural dos oprimidos. O sincretismo religioso afro-brasileiro expressa a resistência ou a manha com que a cultura africana escrava se defendia do poder hegemônico do colonizador branco.
- Não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho.
- É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mas é possível, que vamos programar nossa ação político-pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de crianças, se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão-de-obra técnica.
- Como alfabetizar sem conhecimentos precisos sobre a aquisição da linguagem, sobre linguagem e ideologia, sobre técnicas e métodos do ensino da leitura e da escrita?
- Como educador preciso de ir “lendo” cada vez melhor a leitura do mundo que os grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior de que o seu é parte. Não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. A “leitura do mundo” precede sempre a “leitura da palavra”.
- Se, de um lado, não posso me adaptar ou me “converter” ao saber ingênuo dos grupos populares, de outro, não posso, se realmente progressista, impor-lhes arrogantemente o meu saber como o verdadeiro. O diálogo em que se vai desafiando o grupo popular a pensar sua história social como a experiência igualmente social de seus membros, vai revelando a necessidade de superar certos saberes que, desnudados, vão mostrando sua “incompetência” para explicar os fatos.
- É importante ter sempre claro que faz parte do poder ideológico dominante a inculcação nos dominados da responsabilidade por sua situação. Daí a culpa que sentem eles, em determinado momento de suas relações com o seu contexto e com as classes dominantes por se acharem nesta ou naquela situação desvantajosa.
- A alfabetização, por exemplo, numa área de miséria só ganha sentido na dimensão humana se, com ela, se realiza uma espécie de psicanálise histórico-político-social de que vá resultando a extrojeção da culpa indevida.
- Não podemos, numa perspectiva democrática, transformar uma classe de alfabetização num espaço em que se proíbe toda reflexão em torno da razão de ser dos fatos nem tampouco num “comício libertador”.
9) Ensinar exige curiosidade:
- Como professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca , não aprendo nem ensino. Estimular a pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que se pretende com esta ou com aquela pergunta em lugar da passividade em face das explicações discursivas do professor, espécies de resposta a perguntas que não foram feitas. Isto não significa realmente que devamos reduzir a atividade docente em nome da defesa da curiosidade necessária, a puro vai-vem de perguntas e respostas, que burocraticamente se esterilizam. Adialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos em que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.
- Um dos saberes fundamentais à minha prática educativo-crítica é o que me adverte da necessária promoção da curiosidade espontânea para a curiosidade epistemológica.
- Outro saber indispensável é o de como lidaremos com a relação autoridade-liberdade, sempre tensa e que gera disciplina como indisciplina. O bom seria que experimentássemos o confronto realmente tenso em que a autoridade de um lado e a liberdade do outro, medindo-se, se avaliassem e fossem aprendendo a ser ou a estar sendo elas mesmas, na produção de situações dialógicas.
- Não devo pensar apenas sobre os conteúdos programáticos que vêm sendo expostos ou discutidos pelos professores das diferentes disciplinas mas, ao mesmo tempo, a maneira mais aberta, dialógica, ou mais fechada, autoritária, com que este ou aquele professor ensina.
Capítulo 3: Ensinar é uma especificidade humana
- Uma das qualidades essenciais que a autoridade docente democrática deve revelar em suas relações com as liberdades dos alunos é a segurança em si mesma. É a segurança que se expressa na firmeza com que atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições, com que aceita rever-se.
1) Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade:
- A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, a que se funda na sua competência profissional. O professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe.
- Outra qualidade indispensável à autoridade em suas relações com as liberdades é a generosidade. A arrogância que nega a generosidade nega também a humildade, que não é virtude dos que ofendem nem tampouco dos que se regogizam com sua humilhação. O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico.
- A autoridade coerentemente democrática, fundando-se na certeza da importância, quer de si mesma, quer da liberdade dos educandos para a construção de um clima de real disciplina, jamais minimiza a liberdade. A disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que se instiga, na esperança que desperta.
- No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia. Me movo como educador porque, primeiro, me movo como gente.
- O ensino dos conteúdos implica o testemunho ético do professor. A boniteza da prática docente se compões do anseio vivo de competência do docente e dos discentes e de seu sonho ético.
2) Ensinar exige comprometimento:
- Outro saber que devo trazer comigo e que tem que ver com quase todos os de que tenho falado é o de que não é possível exercer a atividade do magistério como se nada ocorresse conosco. Não posso escapar à apreciação dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem importância capital para o meu desempenho. Daí, então, que uma de minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço, entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo.
- Evidentemente, não posso levar meus dias como professor a perguntar aos alunos o que acham de mim ou como me avaliam. Mas devo estar atento à leitura que fazem de minha atividade com eles, Precisamos aprender a compreender a significação de um silêncio, ou de um sorriso ou de uma retirada da sala. O tom menos cortês com que foi feita uma pergunta. Afinal, o espaço pedagógico é um texto para ser “lido”, interpretado, “escrito” e “reescrito”.
- Nunca precisou o professor progressista estar tão advertido quanto hoje em face da esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade da educação. Desse ponto de vista, que é reacionário, o espaço pedagógico, neutro por excelência, é aquele em que se treinam os alunos para práticas apolíticas, como se a maneira humana de estar no mundo fosse ou pudesse ser uma maneira neutra. Enquanto presença não posso ser uma omissão mas um sujeito de opções.
3) Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo:
- A intervenção no mundo que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Dialética e contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só outra dessas coisas.
- Do ponto de vista dos interesses dominantes, não há dúvida de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades. Toda vez, porém, que a conjuntura o exige, a educação dominante é progressista à sua maneira, “pela metade”. As forças dominantes estimulam e materializam avanços técnicos compreendidos e, tanto quanto possível, realizados de maneira neutra. É uma imoralidade, para mim, que se sobreponha, como se vem fazendo, aos interesses radicalmente humanos, os do mercado.
- Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem ou da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação. Contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura.
- É importante que os alunos percebam o esforço que faz o professor ou professora procurando sua coerência. É preciso também que este esforço seja de quando em vez discutido na classe.
4) Ensinar exige liberdade e autoridade:
- A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado. É claro que, nem sempre, a liberdade do adolescente faz a melhor decisão com relação a seu amanhã. É indispensável que os pais tomem parte das discussões com os filhos em torno desse amanhã. Não podem nem devem omitir-se mas precisam saber e assumir que o futuro é de seus filhos e não seu. A participação dos pais se deve dar sobretudo na análise, com os filhos, das conseqüências possíveis da decisão a ser tomada.
- Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas.
5) Ensinar exige tomada consciente de decisões:
- É preciso deixar claro que o conceito de intervenção não está sendo usado com nenhuma restrição semântica. Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto à que aspira a mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto a que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a História e manter a ordem injusta.
- A educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador. Ela é política. Para que a educação fosse neutra era preciso que não houvesse discordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social, com relação ao estilo político a ser posto em prática, aos valores a serem encarnados. Para que a educação não fosse uma forma política de intervenção no mundo era indispensável que o mundo em que ela se desse não fosse humano. Se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode.
6) Ensinar exige saber escutar:
- Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele. O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele.
- A proclamada morte da História que significa, em última análise, a morte da utopia e do sonho, reforça, indiscutivelmente, os mecanismos de asfixia da liberdade. Daí que a briga pelo resgate do sentido da utopia de que a prática educativa humanizante não pode deixar de estar impregnada tenha de ser sua constante.
- A desconsideração total pela formação integral do ser humano e a sua redução a puro treino fortalecem a maneira autoritária de falar de cima pra baixo.
- A importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental. De um lado, me proporciona que, ao escutar, como sujeito e não como objeto, a fala comunicante de alguém, procure entrar no movimento interno do seu pensamento, virando linguagem; de outro, torna possível a quem fala, realmente comprometido com comunicar e não com fazer puros comunicados, escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou. Fora disso fenece a comunicação.
- A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar.
- Se a estrutura do meu pensamento é a única certa, irrepreensível, não posso escutar quem pensa e elabora seu discurso de outra maneira que não a minha. Nem tampouco escuto quem fala ou escreve fora dos padrões da gramática dominante. No fundo, o educador que respeita a leitura de mundo do educando, reconhece a historicidade do saber, o caráter histórico da curiosidade, desta forma, recusando a arrogância cientificista, assume a humildade crítica, própria da posição verdadeiramente científica.
- Uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade.
7) Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica:
- A capacidade de penumbrar a realidade, de nos “miopizar”, de nos ensurdecer que tem a ideologia faz, por exemplo, a muitos de nós, aceitar docilmente o discurso cinicamente fatalista neoliberal que proclama ser o desemprego no mundo uma desgraça do fim do século.
- Para me resguardar da artimanhas da ideologia não posso nem devo me fechar aos outros nem tampouco me enclausurar no ciclo de minha verdade. Pelo contrário, o melhor caminho para guardar viva e desperta a minha capacidade de pensar certo, de ver com acuidade, de ouvir com respeito, por isso de forma exigente, é me deixar exposto às diferenças, é recusar posições dogmáticas, em que me admita como proprietário da verdade.
8) Ensinar exige disponibilidade para o diálogo:
- Como professor não devo poupar oportunidade para testemunhar aos alunos a segurança com que me comporto ao discutir um tema, ao analisar um fato, ao expor minha posição em face de uma decisão governamental.
- A formação dos professores e da professoras devia insistir na constituição deste saber necessário e que me faz certo desta coisa óbvia, que é a importância inegável que tem sobre nós o contorno ecológico, social e econômico em que vivemos.
- Como enfrentar o extraordinário poder da mídia, da linguagem da televisão, de sua “sintaxe” que reduz a um mesmo plano o passado e o presente e sugere que o que ainda não há já está feito. Mais ainda, que diversifica temáticas no noticiário sem que haja tempo para a reflexão sobre os variados assuntos. De uma notícia sobre Miss Brasil se passa a um terremoto na China; de um escândalo envolvendo mais um banco dilapidado por diretores inescrupulosos temos cenas de um trem que descarrilou em Zurique. O mundo encurta, o tempo se dilui: o ontem vira agora; o amanhã já está feito. Tudo muito rápido. Debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra na televisão me parece algo cada vez mais importante.
- O poder dominante, entre muitas, leva mais uma vantagem sobre nós. É que, para enfrentar o ardil ideológico de que se acha envolvida a sua mensagem na mídia seja nos noticiários, nos comentários aos acontecimentos ou na linha de certos programas, para não falar na propaganda comercial, nossa mente ou nossa curiosidade teria de funcionar epistemologicamente todo o tempo.
9) Ensinar exige querer bem aos educandos:
- A minha abertura ao querer bem significa a minha disponibilidade à alegria de viver. Justa alegria de viver, que, assumida plenamente, não permite que me transforme num ser “adocicado” nem tampouco num ser aresto e amargo. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.
- É esta força misteriosa, às vezes chamada vocação, que explica a quase devoção com que a grande maioria do magistério nele permanece, apesar da imoralidade dos salários. E não apenas permanece, mas cumpre, como pode, seu dever. Amorosamente, acrescento.
- É esta percepção do homem e da mulher como seres “programados, mas para aprender” e, que portanto, para ensinar, para conhecer, para intervir, que me faz entender a prática educativa como um exercício constante em favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos.

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