Regina Aparecida Marques de Souza
Resumo
Partindo do ditado popular "errar é humano", busco a cada novo estudo, a cada nova leitura, a cada novo conhecimento, estruturar uma linha teórico-metodológica que melhor defina tal pressuposto. Não quero construir um campo de reflexão e análise sustentado em ditos populares, mas sim, encontrar subsídios que possam auxiliar algumas ansiedades de professores que atuam no ensino, principalmente aqueles que trabalham com crianças na alfabetização.
Este artigo vem mostrar algumas considerações que construí nesses últimos anos trabalhando com a questão do erro, pois criamos uma visão de erro negativa, assustadora, mas ao mesmo tempo desafiadora. Neste momento busco os pressupostos teórico-metodológicos de um velho-novo conhecido dos educadores brasileiros: Lev Semynovitch Vygotsky.
Para tanto, dividi esse artigo em dois momentos, o primeiro vamos conhecer um pouco mais sobre a pessoa do Vygotsky e sua obra e o segundo uma parte de sua teoria privilegiando a compreensão do erro na zona de desenvolvimento proximal.
Lev S. Vygotsky: o homem e a obra
Lev Semynovitch Vygotsky nasceu na pequena cidade de Orsha, na Bielo-Rússia em 17 de novembro de 1896, pertencente a uma família de origem judaica de classe média. Seu pai um homem culto e bem sucedido, profissionalmente, trabalhava no Banco Unido de Gomel; sua mãe era professora licenciada, mas se dedicou à criação e à educação de seus oito filhos.
Com essa influência intelectual dos pais, Vygotsky cresceu em um ambiente privilegiado, com acesso a livros e informações que puderam destacá-lo na cidade. Os primeiros anos escolares foram realizados em sua casa, com aulas particulares com um tutor matemático que fora exilado na Sibéria por suas concepções políticas.
Sempre se mostrou um excelente aluno, interessado por literatura e assuntos ligados à arte. Leitor ávido por assuntos diversos, estudou vários idiomas, o que lhe facilitava a busca de fontes bibliográficas estrangeiras.
Passou por exames de nível primário, ingressando no curso secundário em um escola particular em Gomel, concluindo-a em dois anos, sendo considerado um dos melhores alunos. Apesar de sua capacidade intelectual já bastante comprovada, teve dificuldades para entrar na Universidade, em decorrência de sua origem judaica, pois naquela época, na Rússia, os judeus não podiam exercer cargos políticos e nem ser professores.
Ingressou no curso de Medicina que em pouco tempo abandonou para ir cursar a Faculdade de Direito e Literatura na Universidade de Moscou. Por seu grande empenho e dedicação, acaba lecionando Literatura e Psicologia e inicia sua carreira profissional com um diversidade de funções, pois, além de ministrar aulas 3, foi crítico literário, ministrava cursos e escrevia vários artigos na seção de teatro em um jornal de sua cidade, Gomel, para onde voltará após seus estudos universitários.
Sob a influência da arte e da literatura Vygotsky vai para o campo da psicologia, criando um laboratório de Psicologia no Instituto de Treinamento de Professores. Neste Instituto, sua carreira na educação ganha um impulso e ele começa a se interessar pelos problemas das crianças com alguma deficiência mental ou física.
Através de suas experiências no Instituto, apresenta, no II Congresso Pan-Russo de Psiconeurologia, em 06 de janeiro de 1924, o trabalho intitulado "O método de investigação reflexológica e psicológica", que o tornou conhecido entre os profissionais da psicologia da época. Sua apresentação causou espanto e admiração a vários participantes do congresso, sendo convidado para fazer parte do Instituto de Psicologia de Moscou.
Muda-se para Moscou e começa a trabalhar no Instituto de Psicologia e no Instituto de Estudos das Deficiências onde passa por vários cargos importantes. Em um período de dez anos (1924 a 1934), Vygotsky produz sua obra com a parceria de alguns intelectuais, demonstrando uma capacidade cada vez mais acentuada de trabalho. Forma um grupo, do qual participavam Luria e Leontiev 4, seus discípulos mais conhecidos, e inicia estudos sobre a crise da Psicologia, tendo como proposta principal, segundo REGO(1995:24):
...estudar os processos de transformação do desenvolvimento humano na sua dimensão filogenética, histórico-social e ontongenética. Deteve-se no estudo dos mecanismos psicológicos mais sofisticados (as chamadas funções psicológicas superiores), típicos da espécie humana: o controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento etc.
A vida deste autor foi permeada por estudos, pesquisas, dúvidas, conflitos e muito entusiasmo naquilo que estava fazendo, mas seu destino já estava traçado e sua estada entre nós era breve, mas muito significativa e de grande contribuição para a educação, se assim posso dizer.
Neste cenário todo, concordo com COLE & SCRIBNER (1991: 10):
...Vygotsky trabalhou numa sociedade onde a ciência era extremamente valorizada e da qual se esperava, em alto grau, a solução dos prementes problemas sociais e econômicos do povo soviético. A teoria psicológica não poderia ser elaborada independentemente das demandas práticas exigidas pelo governo, e o amplo espectro da obra de Vygotsky mostra, claramente, a sua preocupação em produzir uma psicologia que tivesse relevância para a educação e para a prática médica. Para Vygotsky, essa necessidade de desenvolver um trabalho teórico aplicado a um contexto não constituía, de forma alguma, uma contradição. Ele tinha começado sua carreira como professor de literatura e muitos dos seus primeiros artigos cuidavam de problemas da prática educacional, particularmente da educação de deficientes mentais e físicos. Tinha sido um dos fundadores do Instituto de Estudo das Deficiências, em Moscou, ao qual se manteve ligado ao longo de toda a vida. Em estudos de problemas médicos, tais como cegueira, afasia e retardamento mental severo, Vygotsky viu a oportunidade de entender os processos mentais humanos e de estabelecer programas de tratamento e reabilitação. Dessa forma, estava de acordo com sua visão teórica geral desenvolver seu trabalho numa sociedade que procurava eliminar o analfabetismo e elaborar programas educacionais que maximizassem as potencialidades de cada criança.
Assim, suas maiores preocupações eram os problemas educacionais de seu país, que, naquela época (pós-guerra), passava por um desajustes no que se referia, especialmente, ao analfabetismo e a um grande número de crianças com deficiências mentais ou físicas, decorrentes dos conflitos porque a sociedade passava naquele momento. Assim, procurou dar sua contribuição a estudos e pesquisas que pudessem ajudar a população a viver melhor, ou pelo menos, a sobreviver em um mundo marcado pela tristeza da guerra.
Desde muito jovem se interessou por leituras diversas, como já mencionei anteriormente, por meio das quais entrou em contato com os princípios teóricos de Friedrich Engels e Karl Marx, identificando um princípio científico de grande importância para os encaminhamentos de seus estudos. Como Piaget, Vygotsky queria construir uma teoria diferenciada das existentes na área da psicologia, pois era contra os determinantes dessas linhas, encontrando deficiências que não auxiliavam os encaminhamentos da aprendizagem e desenvolvimento do ser humano.
Assim, seus pressupostos filosóficos e epistemológicos se enquadram na linha dialético-materialista de Marx e Engels, que postulam, como ponto de saída e de chegada no pensamento analítico, a prática dos homens historicamente situados. Vygotsky constrói uma psicologia marxista, sendo considerado por Luria, um de seus discípulos, o maior teórico marxista entre os psicólogos soviéticos.
Para PALANGANA(1994:110), Vygotsky, baseado nas teses do materialismo histórico, conclui que as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam decorrer das relações sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior, na atividade prática. Dois aspectos marxistas foram relevantes para o autor na construção de sua teoria: o aspecto cultural e o histórico. E para a educação, foram tais aspectos que emergiram para a compreensão e proliferação das idéias vygotskynianas no cotidiano da sala de aula, em uma corrente teórico-prática ao nível dos problemas enfrentados nas instituições escolares.
Auxiliando no entendimento desta visão marxista, PALANAGANA (id. ibid:110/111) diz que:
Estudando o pensamento marxista, Vygotsky percebe que, no campo psicológico, a invenção e o uso de signos como meios auxiliares na solução de problemas é análoga à invenção e uso de instrumentos no trabalho(...) Assim, como os instrumentos de trabalho mudam no decorrer da história, na mesma medida transformam-se também os instrumentos de pensamentos. E, ainda, assim como novos instrumentos de trabalho ocasionam novas estruturas sociais, novos instrumentos do pensamento suscitam o aparecimento de novas estruturas cognitivas.
São vários aspectos que aproximam a teoria de Vygotsky do materialismo dialético. Não vou detalhá-los, pois não é meu propósito. O que quero é mostrar a influência marxista sofrida, até por opção do autor, na sua teoria, para se compreender melhor os encaminhamentos sócio-histórico-culturais que darei à pesquisa, tendo como suporte a estrutura vygotskyniana, deixando claro que meu entendimento sobre a teoria marxista, ainda são incipientes; por isso não enfoco com mais clareza e precisão tais aspectos, deixando uma porta aberta para futuras pesquisas.
O que preocupa nas obras traduzidas de Vygotsky, segundo SÈVE in DUARTE (1996:76):
...as edições em português existentes até agora de Pensamento e Linguagem, a obra clássica de Vigotski, são traduções da edição em inglês na qual foram cortados nada menos que 2/3 do texto original (cf. SÈVE, 1989). SÈVE também mostra que os cortes incidiram particularmente sobre as reflexões marxistas de Vigotski, como se elas fossem extrínsecas à sua teoria psicológica e, portanto, suprimíveis sem prejuízos para a compreensão do pensamento do autor. SÈVE afirma ainda que isso contraria a essência do pensamento de Vigotski, que defendeu explicitamente em seu texto sobre "O Significado Histórico da Crise da Psicologia" (Vygotsky, 1991:pp.257-413), a necessidade de uma teoria materialista e dialética do psiquismo.
Não posso deixar de ver e compreender Vygotsky sem pensar em Marx, em alienação, trabalho, produção, instrumentos ou signos, mas posso estudá-lo tendo em mente uma visão histórico-cultural da escola sem desvinculá-la do contexto da sociedade em que se insere.
Vygotsky contrai o mal do século, tuberculose, que o acompanha por alguns anos, levando-o a várias internações e debilitando-o a cada dia, mas sem deixá-lo desanimado, pois foi no período que sucedeu à doença que sua atividade intelectual foi mais produtiva, até porque já estava com uma certa maturidade intelectual que lhe dava a autonomia de escrever e dizer o que estudou e pesquisou.
Sua teoria baseia-se na construção de uma psicologia marxista, com predomínio dos estudos psicológicos superiores do ser humano, nos quais distingue o homem dos outros animais que não possuem a capacidade mental de raciocínio, ou, como ele próprio denominou, funções psicológicas superiores que possuímos, como a memória, o raciocínio, a capacidade de armazenamento, planejamento, imaginação e outras, que só o ser humano pode possuir.
Suas principais idéias são referidas por REGO (1995:41-43) e descritas aqui em tópicos: a relação indivíduo/sociedade; a origem cultural das funções psíquicas; a base biológica do funcionamento psicológico; a característica mediação presente em toda atividade humana (os instrumentos técnicos e os sistemas de signos) e a última postula que a análise psicológica deve ser capaz de conservar as características básicas dos processos psicológicos, exclusivamente humanos.
E com seus 38 anos apenas, no dia 11 de junho de 1934, Vygotsky morre, deixando um trabalho, às vezes fragmentadas, às vezes incompleta, muitos escritos soltos, que foram organizados por seus discípulos. Uma obra de grande "peso" para a (re)construção da educação. Em decorrência de sua morte prematura e o desajuste de sua teoria, há algumas críticas no que se refere à validade desta perante nossa sociedade educacional.
Não vou discutir tais considerações e nem fazer uma prévia desta obra, vou sim, cercar-me de seus pressupostos daquilo que me interessa para entender melhor a questão do "erro" que o aluno ou a aluna comete na construção do seu conhecimento. Suas descobertas são hoje fontes de vários estudos e pesquisas que caminham no mundo todo, no nosso país, no nosso estado.
O erro construtivo analisado na Zona de Desenvolvimento Proximal
Nas idas e vindas que faço nos estudos realizados sobre o "erro", procuro a cada novo desequilíbrio, a cada novo obstáculo, a cada nova dúvida surgida no particular ou no coletivo com os sujeitos que caminham comigo, especialmente neste trabalho, respostas ou ajuda em teorias que melhor se adequem a assessoria às práticas do cotidiano da sala de aula.
Nesta procura, deparamo-me com novos conhecimentos, novos caminhos, novas proporções, novos olhares para entender, analisar, refletir e compreender o "erro". Na intenção de contribuir para o sucesso escolar ou a melhoria do processo ensino/aprendizagem da nossa educação, ou, pelo menos, do pequeno grupo dos colegas professores do nosso município, encontrei, na Escola histórico-cultural de Vygotsky, conceitos que emergiram auxiliando-me na questão estudada, mostrando como recursos teóricos capazes de guiar para uma prática pedagógica mais coletiva e construtiva, cujas contribuições vamos buscar na "Zona de Desenvolvimento Proximal".
Trata-se de um conceito que se destacou nas pesquisas vygotskynianas transformando-se em um eixo articulador importante da teoria nas contribuições de cunho educacional. Utilizarei seus princípios para analisar o caminho que a criança realiza na construção do conhecimento, passando pelas zonas de desenvolvimento, buscando os processos de aprendizagem, onde podem ocorrer desvios de compreensão, falta de entendimento, falta de maturidade, distração ou mesmo desconhecimento do conteúdo ou questão. As crianças erram e, por causa destes erros, são discriminadas, ganhando rótulos e muitas vezes são até excluídas da escola.
Assim, a Zona de Desenvolvimento Proximal nos encaminha para uma reflexão mais detalhada deste processo, onde os conceitos de certo e errado desaparecem, dando lugar ao desafio e à interação dos pares em sala de aula. A função do professor é valorizada, não na forma tradicional do poder, da autoridade, mas na dinâmica de conjunto, de auxiliar, de mediador da aprendizagem, juntamente com a participação dos colegas mais experientes que existem nas classes, pois lidamos no dia-a-dia com a heterogeneidade de nossos alunos.
Encontrei nesta concepção uma visão diferenciada do processo de desenvolvimento e aprendizagem, que veicula a necessidade do social, não desprezando o biológico existente no ser humano, mas atribui um papel importante ao social, que proporciona símbolos e instrumentos (que passam de geração para geração) auxiliares na relação do sujeito com o mundo e as maneiras de atuar nele, destacando o aprendizado no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Vygotsky (1991) explica a interação entre desenvolvimento e aprendizagem, trazendo, antes de sua definição, três correntes teóricas com concepções diferenciadas:
• A primeira diz que os processos de desenvolvimento da criança não dependem da aprendizagem. O autor que se destaca é Jean Piaget, afirmando que a aprendizagem depende do desenvolvimento, que sempre está à frente da aprendizagem. A criança deve estar madura para aprender. O desenvolvimento precede a aprendizagem.
• A segunda mostra que o desenvolvimento e a aprendizagem se cruzam, um depende do outro, como nas teorias de condicionamento. Aprendizagem e desenvolvimento se igualam ao mesmo tempo.
• A terceira vem superar as outras duas, tentando combinar as idéias colocadas em questão e melhorá-las, de acordo com Vygotsky (1991:91):
Um exemplo claro dessa abordagem é a teoria de Koffka, segundo a qual o desenvolvimento se baseia em dois processos inerentemente diferentes, embora relacionados, em que cada um influencia o outro - de um lado a maturação, que depende diretamente do desenvolvimento do sistema nervoso; do outro o aprendizado, que é, em si mesmo, também um processo de desenvolvimento.
Nesta abordagem há três aspectos novos: conciliar dois pontos de vista anteriormente considerados contraditórios, considerar-se a questão da interdependência e o mais importante, que consiste numa ampliação do papel da aprendizagem no desenvolvimento da criança. Vygotsky não os aceita, como também recusa os princípios das outras abordagens, criando sua teoria sobre a aprendizagem e desenvolvimento, diferenciando seus aspectos em dois pontos: o primeiro, uma relação geral sobre aprendizagem e desenvolvimento, e o segundo as características particulares existentes nesta relação das crianças em idade escolar.
O autor tem como idéia fundamental que a aprendizagem da criança inicia muito antes de ela ir para a escola na interação com o "outro" no processo sócio-histórico-cultural, desde seu nascimento, onde aprendizagem e desenvolvimento estão interligados. Mas, neste contexto, vamos encontrar, nas atividades escolares, que são caracterizadas como científicas e sistematizadas, um conceito novo e de excepcional importância, sem o qual esse assunto não pode ser resolvido: a zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1991:95).
Para que entendamos como se processam as atividades dentro da zona de desenvolvimento proximal, ou seja, compreender como se dão as relações entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem, Vygotsky busca estabelecer dois níveis de desenvolvimento.
O nível de desenvolvimento real, que vem a ser a capacidade que a criança apresenta para solucionar atividades ou funções, são as vitórias, as conquistas que conseguem em um determinado período do seu desenvolvimento, sem o auxílio de outra pessoa. O próprio nome que recebeu é bem característico: desenvolvimento real aquilo que a criança consegue fazer na realidade, naquele momento, indicando que os processos mentais estão em ordem e que os ciclos de desenvolvimento já se completaram.
Se relacionarmos este nível com o objeto de pesquisa, observarei que nesta fase não existem "erros" na construção das tarefas, pois as crianças praticam o que têm capacidade realmente de realizar.
O outro nível é o do desenvolvimento potencial, ou seja, são aquelas ações que a criança também é capaz de realizar, mas tem dificuldade e por isso necessita da ajuda de um adulto ou de uma criança mais experiente que ela, em uma construção em que exista diálogo, colaboração, trocas de experiências, interação, imitação, que, para Vygotsky, têm um papel importante a desempenhar no desenvolvimento da aprendizagem da criança, pois estão inseridos neste nível. O que ela não pode fazer agora sozinha, por não possuir as bases psicológicas necessárias, mas pode imitar o seu colega, passando a fazer determinadas ações de acordo com seu "espelho". Tais atitudes mais tarde se interiorizarão nos processos psicológicos superiores e as crianças resolverão sozinhas, sendo considerado nível de desenvolvimento real e assim sucessivamente. Para Vygotsky (1991:97):
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de "brotos" ou "flores" do desenvolvimento, ao invés de "frutos" do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente.
Para esta atividade em particular, sobre a relação professor/aluno diante do "erro" que esse aluno comete na construção do seu conhecimento, tal conceito revela-se um meio teórico capaz de estimular ainda mais nossos estudos, viabilizando um compreensão mais clara deste processo, guiando para uma ação pedagógica mais construtiva e produtiva. Compreendo que aquela idéia de se estabelecer a aprendizagem de acordo com os níveis de desenvolvimento da criança não se justifica mais, visto que a minha necessidade é descobrir como se estabelece a relação real entre desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem que a criança possui naquele momento em que se dá o seu "erro", se esse "erro" pode ou não ser considerado de construtivo. Para isso, devo entender a determinação feita por Vygotsky em conhecer os dois níveis de desenvolvimento que criam a zona de desenvolvimento proximal.
Usando uma fala analogica posso imaginar a zona de desenvolvimento proximal como a ponte que liga o Estado de Mato Grosso do Sul ao Estado de São Paulo. Estamos em Três Lagoas, MS e queremos ir para Castilho, SP, porém, para chegar lá, tenho que atravessar a Ponte da Usina Hidroelétrica Eng.º Souza Dias. Esse espaço que vou percorrer na ponte é o que Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal; é o intervalo que a criança percorre para aprender algo novo, partindo do ponto do que ela já sabe para um outro desconhecido. Como no exemplo acima, saio de Três Lagoas, minha cidade, e vou para Castilho, uma cidade estranha, mas neste tempo em que passo pela ponte vou estudando sobre a cidade, olhando o mapa, conversando com alguém que já conhece e, logo que chego lá, já estou familiarizada com a cidade e vou conhecê-la melhor, explorando o seu interior, suas origens e cada vez mais, de acordo com meus interesses, vou aprendendo mais sobre a cidade e criando novos momentos na zona de desenvolvimento proximal.
Vygotsky (1991:97) define este momento como sendo "...a distância entre o nível do desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes."
Com esse novo olhar para a aprendizagem e para o desenvolvimento da criança, dedicarei mais a tais estudos, tendo em mente que não é tão fácil trabalhar com essa nova dinâmica na prática educativa, porque o professor tem à sua frente um grande caminho a percorrer no conhecimento da história de vida de seus alunos, e, como já sabemos, na grande maioria das escolas públicas o número de crianças por sala de aula é excessivo. Nada que oferece melhoria deve ser fácil, no entanto tenho alguns motivos bons para adotar os critérios, para conseguir trabalhar em conjunto com toda a sala em uma forma interativa do processo ensino-aprendizagem, mesmo sabendo das diferenças existentes entre os alunos da mesma classe, pois até essas diferenças são valorizadas neste contexto, que segundo HEDEGAARD in MOLL (1996:359):
Trabalhar em sala de aula com a zona de desenvolvimento proximal implica que a professora esteja consciente dos estágios evolutivos das crianças e que seja capaz de planejar mudanças qualitativas no ensino, direcionando-o para uma certa meta. Embora cada criança seja única, as crianças obviamente compartilham características comuns. Se fazem parte da mesma tradição, as crianças de uma mesma sala de aula compartilham habilidades e uma parcela de conhecimentos. A instrução pode ser construída sobre essas características comuns, levando em conta que elas apresentam diferentes velocidades e maneiras de aprender. Assim, trabalhamos com a zona de desenvolvimento proximal como uma relação entre os passos instrucionais planejados e os passos do processo de aquisição de conhecimentos e aprendizagem das crianças.
De acordo com o autor, os professores tem uma importante tarefa a cumprir na elaboração de suas atividades para o desenvolvimento dos alunos e alunas, para que possam ultrapassar suas dificuldades e elaborar novos conhecimentos, na interação com todos os companheiros de sala de aula. No que se refere ao "erro" da criança, trabalhar com a zona de desenvolvimento proximal, no primeiro instante, não é fácil, porque a própria teoria sócio-histórico-cultural de Vygotsky apresenta um desafio: conhecer cada um dos alunos antes de iniciar as atividades de sala, porque a criança traz de casa todo um conhecimento adquirido no seu meio, tem uma história e pertence a um determinado grupo cultural. Todas essas características interferem na aprendizagem e no desenvolvimento do estudante e a grande maioria dos professores não tem "tempo" de dedicar alguns dias para esse estudo particular.
Cada criança é um indivíduo em particular, com suas características próprias e peculiares a suas origens, mas faz parte de um meio sócio-histórico-cultural que determina similaridades entre os indivíduos que comungam esse mesmo espaço. Com isso, o professor deve chegar a uma idéia de conjunto também para melhor encaminhar sua prática no cotidiano da sala de aula, porque seus alunos são "brotinhos" deste contexto, assim:
Uma criança é única e individual, mas as individualidades das crianças têm características comuns. Se essas características não são desenvolvidas, tendemos a olhar para a criança como desviante e oferecer-lhes instrução especial. Esta não deveria ser a função da pedagogia escolar, ou seja, a de oferecer instrução especial para cada criança em uma sala de aula. Pelo contrário, a instrução deve estar baseada no desenvolvimento de conhecimentos e habilidades comuns. HEDEGAARD in MOLL (1996:360).
Cada nova informação que obtenho neste estudo, incentivo-me a aprofundar mais nesta teoria, porque, de acordo com a citação acima, tendemos até a ficar em dúvida sobre nossas práticas anteriores. Tivemos uma educação pedagógica totalmente inversa a esses postulados, no que concerne à função da pedagogia: oferecer uma instrução especial para cada criança em particular, procurando sanar as dificuldades, os "erros" de cada criança, coisa que é quase impossível de se fazer, até porque somos um só professor para lidar com trinta a trinta e cinco alunos em sala de aula. A partir desta informação entendi melhor como poder trabalhar com ZDP na prática, em uma forma global, na interação com o grupo na sala de aula.
Cai por terra toda nossa concepção de educação. E eu diria "graças a Deus", porque embora a educação esteja como está, um caos, tenho uma certeza: essas novas idéias irão emergir com uma grande força, porque possuem uma sustentação consistente e adequada com a realidade deste final de século e estamos encontrando um facho de luz no fim do túnel para melhoria da educação brasileira.
E, em se tratando do nosso foco, o "erro", as escolas têm a velha atitude diante dele, não deixando as crianças mostrarem seus conhecimentos adquiridos, as mediações que realizam em contato com o novo, as representações que fazem dos conhecimentos, da escrita, da fala sistematizada pelas instruções da escola e as informações que recebe tanto fora como dentro da instituição escolar.
Diante deste quadro quero com o presente estudo contribuir para a reflexão acerca dos erros na abordagem sócio-histórica-cultural, confirmando com as indicações de ESTEBAN(1992:83):
Nesta perspectiva, o processo ensino/aprendizagem é fortalecido e, ao mesmo tempo, redimensionado. A preocupação não se reduz apenas a alcançar a resposta certa e a aceitar os "erros" que porventura a precedam. Trata-se de priorizar a possibilidade de alunos e professores, num processo interativo, construírem novos conhecimentos que realimentem o processo. O coletivo é recuperado como espaço de construção e apropriação do conhecimento.
Com o auxílio da zona de desenvolvimento proximal pode-se desprezar as medidas estabelecidas do certo e errado, buscando uma criança que interage com seu meio, com seus colegas em uma relação de co-construção de conhecimentos. A reprodução individual de conteúdos é abandonada; os erros, quando tratados, são vistos como construtivos, tendo em vista sua amplitude de compreensão daquilo que se sabe para aquilo que se procura saber em uma construção coletiva do conhecimento em sala de aula. Aquilo que a criança não consegue "ainda" realizar sozinha, e que ocasiona o "erro", mais tarde, com o auxílio do professor ou mesmo de uma criança mais experiente, conseguirá supri-lo, colocando-o como um "erro construtivo".
Neste contexto, busco a interação com uma autora que tanto vem me auxiliando com seu artigo em nossa pesquisa (id. ibid:84):
Uma outra forma de avaliação é possibilitada pela utilização do conceito de "zona de desenvolvimento proximal". A preocupação com o "erro" é retirada da sala de aula, sendo substituída pela incorporação do conhecimento em sua dimensão processual, dinâmica e criadora. Reorganizando a atividade escolar, a oscilação entre o não saber e o saber, com a mediação do ainda não saber, faz da aprendizagem um processo de fortalecimento do sujeito, que se percebe como potencialidade capaz de superar os limites impostos pelo desconhecido.
E como utilizar a zona de desenvolvimento proximal na prática cotidiana com os "erros"?
Após termos entendido o processo em que se dão os dois níveis de desenvolvimento na "zona de desenvolvimento proximal", de acordo com Vygotsky e alguns estudiosos da área, pode-se exemplificar da maneira que é peculiar no momento e como entendo que seja a prática.
Em uma situação normal de sala de aula de ciclo básico, uma criança tem uma dúvida e vai perguntar para a professora:
- Tia, eu não terminei de escrever o texto e ele não "cabeu" na folha?
A professora responde:
- Menino, não é "cabeu", é "não coube" e , se "não coube", vai para a outra folha.
Analisando este primeiro momento, a professora antes de responder a questão do aluno repreendeu-o por não ter falado certo a palavra, destacando a forma correta.
Passado algum tempo a mesma criança faz outra pergunta:
- Tia, a oração não "cabeu" nesta linha, o que eu faço?
- Menino, eu já não disse que não é "cabeu" é "não coube", e se "não coube" na mesma linha passa para outra, é claro.
Sabemos que esta situação é clara para a professora que já passou por um longo processo de escolarização, aprendeu regras gramaticais, como usar bem os verbos e não confundir as conjugações parecidas, mas a criança que está iniciando no mundo da linguagem escrita e falada acaba generalizando as regras, sendo normal falar "cabeu", especialmente se na sua casa ou em seu meio social, os mais velhos, sem escolaridade, dizem "cabeu", "bassora", "galfo", e outras variações lingüísticas existentes na sociedade desprivilegiada de uma educação formal.
No outro dia, a mesma criança diz para a professora:
- Tia, eu ganhei um sapato da patroa da minha mãe, mas não "cabeu" no meu pé.
A professora, irada, chega a gritar e assustar a criança:
- Menino, quantas vezes eu vou ter que repetir que é errado dizer "cabeu", o certo é "coube", para você não esquecer mais, vai escrever no caderno de caligrafia cem vezes a palavra "coube".
E lá começou o aluno a escrever "coube" no seu caderno. Passados alguns minutos e tendo escrito mais ou menos umas trinta vezes a palavra, o aluno pergunta para a professora:
- Tia, acabou a folha e não "cabeu" o que eu faço?
Dada esta situação, que já ocorreu com vários de nós professores de 1ª e 2ª séries do ensino básico, porque o "cabeu" é uma forma que resulta da analogia com o padrão das formas verbais regulares, conduzindo a que as crianças acabam generalizando e dizendo "cabeu" mesmo, vamos analisá-la na Zona de Desenvolvimento Proximal.
A criança possui conhecimentos da língua que fala no seu meio sócio-histórico-cultural, que são conhecimentos que ela adquire no contato com outras pessoas e que lhe são passados através de conversas, de brincadeiras, de companhia, o que é chamado de desenvolvimento real, que como já foi discutido, é aquilo que a criança já possui. É bem o que ocorreu com o aluno acima citado. Ele se expressava bem, mas não estava conseguindo resolver o problema do espaço do caderno, porque quando a criança entra na escola e começa a utilizar papéis, folhas em branco e logo passa para o caderno, às vezes, se não sabe realmente o que fazer com o restante do texto, da frase, se não coube na mesma linha, ou na mesma folha, as noções de espaço não foram bem trabalhadas e compreendidas, fazendo que dúvidas surjam neste tipo de procedimento.
A função da professora neste momento é muito importante, para não dizer, essencial. Se destaca, assim, o papel do professor no cotidiano da sala de aula na presente linha teórica, pois este vai interferir no assunto explicando à criança o que deve fazer com o restante do texto ou da frase e de uma forma sutil, dizendo, sem chamar tanta atenção para não enfatizar o "erro": "Se não coube, escreva na outra linha ou na outra folha", procurando na dinâmica da conversa ou na explicação de alguma outra matéria dizer várias vezes a palavra coube, destacá-la em um texto, em atividades. Exercendo sua prática desta maneira, seu aluno vai, ao ouvir a palavra correta, perceber e começar a falar o certo.
O procedimento da professora que descrevemos pode-se dizer que se encontra no intervalo da aprendizagem, ou seja, na ponte, no plano da zona de desenvolvimento proximal com destino para o desenvolvimento potencial, pois a idéia ainda não está madura, mas com a intervenção da professora acabará por chegar ao fim do processo.
Este exemplo pode ser simples, mas quero deixar claro que é uma situação real que aconteceu em sala de aula quando trabalhava com crianças pequenas. É claro que não foi exatamente com foi mostrado, mas, quanto à pronúncia da palavra, todos os anos encontrava algumas crianças com essa dificuldade e, no início, cheguei a chamar a atenção, repetir várias vezes, mas com o tempo fui percebendo que não estava dando resultado e modifiquei a maneira, tentando, sem que o aluno notasse, falar o modo correto sem "broncas" e o resultado foi extremamente positivo.
O presente estudo sobre o "erro" com o suporte teórico vygotskyniano é novo e estou construindo a partir de informações de autores que estudam a teoria e das obras traduzidas de Vygotsky. Sei que corro o risco de cometer alguns desvios, mas tenho a intenção de estar no início, assumindo o compromisso de dar continuidade em futuros estudos que virão no decorrer dos próximos anos, porque tenho um pensamento que o "erro" é gerador da zona de desenvolvimento proximal e quero confirmar esta hipótese para um futuro bem próximo.
Resumo
Partindo do ditado popular "errar é humano", busco a cada novo estudo, a cada nova leitura, a cada novo conhecimento, estruturar uma linha teórico-metodológica que melhor defina tal pressuposto. Não quero construir um campo de reflexão e análise sustentado em ditos populares, mas sim, encontrar subsídios que possam auxiliar algumas ansiedades de professores que atuam no ensino, principalmente aqueles que trabalham com crianças na alfabetização.
Este artigo vem mostrar algumas considerações que construí nesses últimos anos trabalhando com a questão do erro, pois criamos uma visão de erro negativa, assustadora, mas ao mesmo tempo desafiadora. Neste momento busco os pressupostos teórico-metodológicos de um velho-novo conhecido dos educadores brasileiros: Lev Semynovitch Vygotsky.
Para tanto, dividi esse artigo em dois momentos, o primeiro vamos conhecer um pouco mais sobre a pessoa do Vygotsky e sua obra e o segundo uma parte de sua teoria privilegiando a compreensão do erro na zona de desenvolvimento proximal.
Lev S. Vygotsky: o homem e a obra
Lev Semynovitch Vygotsky nasceu na pequena cidade de Orsha, na Bielo-Rússia em 17 de novembro de 1896, pertencente a uma família de origem judaica de classe média. Seu pai um homem culto e bem sucedido, profissionalmente, trabalhava no Banco Unido de Gomel; sua mãe era professora licenciada, mas se dedicou à criação e à educação de seus oito filhos.
Com essa influência intelectual dos pais, Vygotsky cresceu em um ambiente privilegiado, com acesso a livros e informações que puderam destacá-lo na cidade. Os primeiros anos escolares foram realizados em sua casa, com aulas particulares com um tutor matemático que fora exilado na Sibéria por suas concepções políticas.
Sempre se mostrou um excelente aluno, interessado por literatura e assuntos ligados à arte. Leitor ávido por assuntos diversos, estudou vários idiomas, o que lhe facilitava a busca de fontes bibliográficas estrangeiras.
Passou por exames de nível primário, ingressando no curso secundário em um escola particular em Gomel, concluindo-a em dois anos, sendo considerado um dos melhores alunos. Apesar de sua capacidade intelectual já bastante comprovada, teve dificuldades para entrar na Universidade, em decorrência de sua origem judaica, pois naquela época, na Rússia, os judeus não podiam exercer cargos políticos e nem ser professores.
Ingressou no curso de Medicina que em pouco tempo abandonou para ir cursar a Faculdade de Direito e Literatura na Universidade de Moscou. Por seu grande empenho e dedicação, acaba lecionando Literatura e Psicologia e inicia sua carreira profissional com um diversidade de funções, pois, além de ministrar aulas 3, foi crítico literário, ministrava cursos e escrevia vários artigos na seção de teatro em um jornal de sua cidade, Gomel, para onde voltará após seus estudos universitários.
Sob a influência da arte e da literatura Vygotsky vai para o campo da psicologia, criando um laboratório de Psicologia no Instituto de Treinamento de Professores. Neste Instituto, sua carreira na educação ganha um impulso e ele começa a se interessar pelos problemas das crianças com alguma deficiência mental ou física.
Através de suas experiências no Instituto, apresenta, no II Congresso Pan-Russo de Psiconeurologia, em 06 de janeiro de 1924, o trabalho intitulado "O método de investigação reflexológica e psicológica", que o tornou conhecido entre os profissionais da psicologia da época. Sua apresentação causou espanto e admiração a vários participantes do congresso, sendo convidado para fazer parte do Instituto de Psicologia de Moscou.
Muda-se para Moscou e começa a trabalhar no Instituto de Psicologia e no Instituto de Estudos das Deficiências onde passa por vários cargos importantes. Em um período de dez anos (1924 a 1934), Vygotsky produz sua obra com a parceria de alguns intelectuais, demonstrando uma capacidade cada vez mais acentuada de trabalho. Forma um grupo, do qual participavam Luria e Leontiev 4, seus discípulos mais conhecidos, e inicia estudos sobre a crise da Psicologia, tendo como proposta principal, segundo REGO(1995:24):
...estudar os processos de transformação do desenvolvimento humano na sua dimensão filogenética, histórico-social e ontongenética. Deteve-se no estudo dos mecanismos psicológicos mais sofisticados (as chamadas funções psicológicas superiores), típicos da espécie humana: o controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento etc.
A vida deste autor foi permeada por estudos, pesquisas, dúvidas, conflitos e muito entusiasmo naquilo que estava fazendo, mas seu destino já estava traçado e sua estada entre nós era breve, mas muito significativa e de grande contribuição para a educação, se assim posso dizer.
Neste cenário todo, concordo com COLE & SCRIBNER (1991: 10):
...Vygotsky trabalhou numa sociedade onde a ciência era extremamente valorizada e da qual se esperava, em alto grau, a solução dos prementes problemas sociais e econômicos do povo soviético. A teoria psicológica não poderia ser elaborada independentemente das demandas práticas exigidas pelo governo, e o amplo espectro da obra de Vygotsky mostra, claramente, a sua preocupação em produzir uma psicologia que tivesse relevância para a educação e para a prática médica. Para Vygotsky, essa necessidade de desenvolver um trabalho teórico aplicado a um contexto não constituía, de forma alguma, uma contradição. Ele tinha começado sua carreira como professor de literatura e muitos dos seus primeiros artigos cuidavam de problemas da prática educacional, particularmente da educação de deficientes mentais e físicos. Tinha sido um dos fundadores do Instituto de Estudo das Deficiências, em Moscou, ao qual se manteve ligado ao longo de toda a vida. Em estudos de problemas médicos, tais como cegueira, afasia e retardamento mental severo, Vygotsky viu a oportunidade de entender os processos mentais humanos e de estabelecer programas de tratamento e reabilitação. Dessa forma, estava de acordo com sua visão teórica geral desenvolver seu trabalho numa sociedade que procurava eliminar o analfabetismo e elaborar programas educacionais que maximizassem as potencialidades de cada criança.
Assim, suas maiores preocupações eram os problemas educacionais de seu país, que, naquela época (pós-guerra), passava por um desajustes no que se referia, especialmente, ao analfabetismo e a um grande número de crianças com deficiências mentais ou físicas, decorrentes dos conflitos porque a sociedade passava naquele momento. Assim, procurou dar sua contribuição a estudos e pesquisas que pudessem ajudar a população a viver melhor, ou pelo menos, a sobreviver em um mundo marcado pela tristeza da guerra.
Desde muito jovem se interessou por leituras diversas, como já mencionei anteriormente, por meio das quais entrou em contato com os princípios teóricos de Friedrich Engels e Karl Marx, identificando um princípio científico de grande importância para os encaminhamentos de seus estudos. Como Piaget, Vygotsky queria construir uma teoria diferenciada das existentes na área da psicologia, pois era contra os determinantes dessas linhas, encontrando deficiências que não auxiliavam os encaminhamentos da aprendizagem e desenvolvimento do ser humano.
Assim, seus pressupostos filosóficos e epistemológicos se enquadram na linha dialético-materialista de Marx e Engels, que postulam, como ponto de saída e de chegada no pensamento analítico, a prática dos homens historicamente situados. Vygotsky constrói uma psicologia marxista, sendo considerado por Luria, um de seus discípulos, o maior teórico marxista entre os psicólogos soviéticos.
Para PALANGANA(1994:110), Vygotsky, baseado nas teses do materialismo histórico, conclui que as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam decorrer das relações sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior, na atividade prática. Dois aspectos marxistas foram relevantes para o autor na construção de sua teoria: o aspecto cultural e o histórico. E para a educação, foram tais aspectos que emergiram para a compreensão e proliferação das idéias vygotskynianas no cotidiano da sala de aula, em uma corrente teórico-prática ao nível dos problemas enfrentados nas instituições escolares.
Auxiliando no entendimento desta visão marxista, PALANAGANA (id. ibid:110/111) diz que:
Estudando o pensamento marxista, Vygotsky percebe que, no campo psicológico, a invenção e o uso de signos como meios auxiliares na solução de problemas é análoga à invenção e uso de instrumentos no trabalho(...) Assim, como os instrumentos de trabalho mudam no decorrer da história, na mesma medida transformam-se também os instrumentos de pensamentos. E, ainda, assim como novos instrumentos de trabalho ocasionam novas estruturas sociais, novos instrumentos do pensamento suscitam o aparecimento de novas estruturas cognitivas.
São vários aspectos que aproximam a teoria de Vygotsky do materialismo dialético. Não vou detalhá-los, pois não é meu propósito. O que quero é mostrar a influência marxista sofrida, até por opção do autor, na sua teoria, para se compreender melhor os encaminhamentos sócio-histórico-culturais que darei à pesquisa, tendo como suporte a estrutura vygotskyniana, deixando claro que meu entendimento sobre a teoria marxista, ainda são incipientes; por isso não enfoco com mais clareza e precisão tais aspectos, deixando uma porta aberta para futuras pesquisas.
O que preocupa nas obras traduzidas de Vygotsky, segundo SÈVE in DUARTE (1996:76):
...as edições em português existentes até agora de Pensamento e Linguagem, a obra clássica de Vigotski, são traduções da edição em inglês na qual foram cortados nada menos que 2/3 do texto original (cf. SÈVE, 1989). SÈVE também mostra que os cortes incidiram particularmente sobre as reflexões marxistas de Vigotski, como se elas fossem extrínsecas à sua teoria psicológica e, portanto, suprimíveis sem prejuízos para a compreensão do pensamento do autor. SÈVE afirma ainda que isso contraria a essência do pensamento de Vigotski, que defendeu explicitamente em seu texto sobre "O Significado Histórico da Crise da Psicologia" (Vygotsky, 1991:pp.257-413), a necessidade de uma teoria materialista e dialética do psiquismo.
Não posso deixar de ver e compreender Vygotsky sem pensar em Marx, em alienação, trabalho, produção, instrumentos ou signos, mas posso estudá-lo tendo em mente uma visão histórico-cultural da escola sem desvinculá-la do contexto da sociedade em que se insere.
Vygotsky contrai o mal do século, tuberculose, que o acompanha por alguns anos, levando-o a várias internações e debilitando-o a cada dia, mas sem deixá-lo desanimado, pois foi no período que sucedeu à doença que sua atividade intelectual foi mais produtiva, até porque já estava com uma certa maturidade intelectual que lhe dava a autonomia de escrever e dizer o que estudou e pesquisou.
Sua teoria baseia-se na construção de uma psicologia marxista, com predomínio dos estudos psicológicos superiores do ser humano, nos quais distingue o homem dos outros animais que não possuem a capacidade mental de raciocínio, ou, como ele próprio denominou, funções psicológicas superiores que possuímos, como a memória, o raciocínio, a capacidade de armazenamento, planejamento, imaginação e outras, que só o ser humano pode possuir.
Suas principais idéias são referidas por REGO (1995:41-43) e descritas aqui em tópicos: a relação indivíduo/sociedade; a origem cultural das funções psíquicas; a base biológica do funcionamento psicológico; a característica mediação presente em toda atividade humana (os instrumentos técnicos e os sistemas de signos) e a última postula que a análise psicológica deve ser capaz de conservar as características básicas dos processos psicológicos, exclusivamente humanos.
E com seus 38 anos apenas, no dia 11 de junho de 1934, Vygotsky morre, deixando um trabalho, às vezes fragmentadas, às vezes incompleta, muitos escritos soltos, que foram organizados por seus discípulos. Uma obra de grande "peso" para a (re)construção da educação. Em decorrência de sua morte prematura e o desajuste de sua teoria, há algumas críticas no que se refere à validade desta perante nossa sociedade educacional.
Não vou discutir tais considerações e nem fazer uma prévia desta obra, vou sim, cercar-me de seus pressupostos daquilo que me interessa para entender melhor a questão do "erro" que o aluno ou a aluna comete na construção do seu conhecimento. Suas descobertas são hoje fontes de vários estudos e pesquisas que caminham no mundo todo, no nosso país, no nosso estado.
O erro construtivo analisado na Zona de Desenvolvimento Proximal
Nas idas e vindas que faço nos estudos realizados sobre o "erro", procuro a cada novo desequilíbrio, a cada novo obstáculo, a cada nova dúvida surgida no particular ou no coletivo com os sujeitos que caminham comigo, especialmente neste trabalho, respostas ou ajuda em teorias que melhor se adequem a assessoria às práticas do cotidiano da sala de aula.
Nesta procura, deparamo-me com novos conhecimentos, novos caminhos, novas proporções, novos olhares para entender, analisar, refletir e compreender o "erro". Na intenção de contribuir para o sucesso escolar ou a melhoria do processo ensino/aprendizagem da nossa educação, ou, pelo menos, do pequeno grupo dos colegas professores do nosso município, encontrei, na Escola histórico-cultural de Vygotsky, conceitos que emergiram auxiliando-me na questão estudada, mostrando como recursos teóricos capazes de guiar para uma prática pedagógica mais coletiva e construtiva, cujas contribuições vamos buscar na "Zona de Desenvolvimento Proximal".
Trata-se de um conceito que se destacou nas pesquisas vygotskynianas transformando-se em um eixo articulador importante da teoria nas contribuições de cunho educacional. Utilizarei seus princípios para analisar o caminho que a criança realiza na construção do conhecimento, passando pelas zonas de desenvolvimento, buscando os processos de aprendizagem, onde podem ocorrer desvios de compreensão, falta de entendimento, falta de maturidade, distração ou mesmo desconhecimento do conteúdo ou questão. As crianças erram e, por causa destes erros, são discriminadas, ganhando rótulos e muitas vezes são até excluídas da escola.
Assim, a Zona de Desenvolvimento Proximal nos encaminha para uma reflexão mais detalhada deste processo, onde os conceitos de certo e errado desaparecem, dando lugar ao desafio e à interação dos pares em sala de aula. A função do professor é valorizada, não na forma tradicional do poder, da autoridade, mas na dinâmica de conjunto, de auxiliar, de mediador da aprendizagem, juntamente com a participação dos colegas mais experientes que existem nas classes, pois lidamos no dia-a-dia com a heterogeneidade de nossos alunos.
Encontrei nesta concepção uma visão diferenciada do processo de desenvolvimento e aprendizagem, que veicula a necessidade do social, não desprezando o biológico existente no ser humano, mas atribui um papel importante ao social, que proporciona símbolos e instrumentos (que passam de geração para geração) auxiliares na relação do sujeito com o mundo e as maneiras de atuar nele, destacando o aprendizado no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Vygotsky (1991) explica a interação entre desenvolvimento e aprendizagem, trazendo, antes de sua definição, três correntes teóricas com concepções diferenciadas:
• A primeira diz que os processos de desenvolvimento da criança não dependem da aprendizagem. O autor que se destaca é Jean Piaget, afirmando que a aprendizagem depende do desenvolvimento, que sempre está à frente da aprendizagem. A criança deve estar madura para aprender. O desenvolvimento precede a aprendizagem.
• A segunda mostra que o desenvolvimento e a aprendizagem se cruzam, um depende do outro, como nas teorias de condicionamento. Aprendizagem e desenvolvimento se igualam ao mesmo tempo.
• A terceira vem superar as outras duas, tentando combinar as idéias colocadas em questão e melhorá-las, de acordo com Vygotsky (1991:91):
Um exemplo claro dessa abordagem é a teoria de Koffka, segundo a qual o desenvolvimento se baseia em dois processos inerentemente diferentes, embora relacionados, em que cada um influencia o outro - de um lado a maturação, que depende diretamente do desenvolvimento do sistema nervoso; do outro o aprendizado, que é, em si mesmo, também um processo de desenvolvimento.
Nesta abordagem há três aspectos novos: conciliar dois pontos de vista anteriormente considerados contraditórios, considerar-se a questão da interdependência e o mais importante, que consiste numa ampliação do papel da aprendizagem no desenvolvimento da criança. Vygotsky não os aceita, como também recusa os princípios das outras abordagens, criando sua teoria sobre a aprendizagem e desenvolvimento, diferenciando seus aspectos em dois pontos: o primeiro, uma relação geral sobre aprendizagem e desenvolvimento, e o segundo as características particulares existentes nesta relação das crianças em idade escolar.
O autor tem como idéia fundamental que a aprendizagem da criança inicia muito antes de ela ir para a escola na interação com o "outro" no processo sócio-histórico-cultural, desde seu nascimento, onde aprendizagem e desenvolvimento estão interligados. Mas, neste contexto, vamos encontrar, nas atividades escolares, que são caracterizadas como científicas e sistematizadas, um conceito novo e de excepcional importância, sem o qual esse assunto não pode ser resolvido: a zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1991:95).
Para que entendamos como se processam as atividades dentro da zona de desenvolvimento proximal, ou seja, compreender como se dão as relações entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem, Vygotsky busca estabelecer dois níveis de desenvolvimento.
O nível de desenvolvimento real, que vem a ser a capacidade que a criança apresenta para solucionar atividades ou funções, são as vitórias, as conquistas que conseguem em um determinado período do seu desenvolvimento, sem o auxílio de outra pessoa. O próprio nome que recebeu é bem característico: desenvolvimento real aquilo que a criança consegue fazer na realidade, naquele momento, indicando que os processos mentais estão em ordem e que os ciclos de desenvolvimento já se completaram.
Se relacionarmos este nível com o objeto de pesquisa, observarei que nesta fase não existem "erros" na construção das tarefas, pois as crianças praticam o que têm capacidade realmente de realizar.
O outro nível é o do desenvolvimento potencial, ou seja, são aquelas ações que a criança também é capaz de realizar, mas tem dificuldade e por isso necessita da ajuda de um adulto ou de uma criança mais experiente que ela, em uma construção em que exista diálogo, colaboração, trocas de experiências, interação, imitação, que, para Vygotsky, têm um papel importante a desempenhar no desenvolvimento da aprendizagem da criança, pois estão inseridos neste nível. O que ela não pode fazer agora sozinha, por não possuir as bases psicológicas necessárias, mas pode imitar o seu colega, passando a fazer determinadas ações de acordo com seu "espelho". Tais atitudes mais tarde se interiorizarão nos processos psicológicos superiores e as crianças resolverão sozinhas, sendo considerado nível de desenvolvimento real e assim sucessivamente. Para Vygotsky (1991:97):
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de "brotos" ou "flores" do desenvolvimento, ao invés de "frutos" do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente.
Para esta atividade em particular, sobre a relação professor/aluno diante do "erro" que esse aluno comete na construção do seu conhecimento, tal conceito revela-se um meio teórico capaz de estimular ainda mais nossos estudos, viabilizando um compreensão mais clara deste processo, guiando para uma ação pedagógica mais construtiva e produtiva. Compreendo que aquela idéia de se estabelecer a aprendizagem de acordo com os níveis de desenvolvimento da criança não se justifica mais, visto que a minha necessidade é descobrir como se estabelece a relação real entre desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem que a criança possui naquele momento em que se dá o seu "erro", se esse "erro" pode ou não ser considerado de construtivo. Para isso, devo entender a determinação feita por Vygotsky em conhecer os dois níveis de desenvolvimento que criam a zona de desenvolvimento proximal.
Usando uma fala analogica posso imaginar a zona de desenvolvimento proximal como a ponte que liga o Estado de Mato Grosso do Sul ao Estado de São Paulo. Estamos em Três Lagoas, MS e queremos ir para Castilho, SP, porém, para chegar lá, tenho que atravessar a Ponte da Usina Hidroelétrica Eng.º Souza Dias. Esse espaço que vou percorrer na ponte é o que Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal; é o intervalo que a criança percorre para aprender algo novo, partindo do ponto do que ela já sabe para um outro desconhecido. Como no exemplo acima, saio de Três Lagoas, minha cidade, e vou para Castilho, uma cidade estranha, mas neste tempo em que passo pela ponte vou estudando sobre a cidade, olhando o mapa, conversando com alguém que já conhece e, logo que chego lá, já estou familiarizada com a cidade e vou conhecê-la melhor, explorando o seu interior, suas origens e cada vez mais, de acordo com meus interesses, vou aprendendo mais sobre a cidade e criando novos momentos na zona de desenvolvimento proximal.
Vygotsky (1991:97) define este momento como sendo "...a distância entre o nível do desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes."
Com esse novo olhar para a aprendizagem e para o desenvolvimento da criança, dedicarei mais a tais estudos, tendo em mente que não é tão fácil trabalhar com essa nova dinâmica na prática educativa, porque o professor tem à sua frente um grande caminho a percorrer no conhecimento da história de vida de seus alunos, e, como já sabemos, na grande maioria das escolas públicas o número de crianças por sala de aula é excessivo. Nada que oferece melhoria deve ser fácil, no entanto tenho alguns motivos bons para adotar os critérios, para conseguir trabalhar em conjunto com toda a sala em uma forma interativa do processo ensino-aprendizagem, mesmo sabendo das diferenças existentes entre os alunos da mesma classe, pois até essas diferenças são valorizadas neste contexto, que segundo HEDEGAARD in MOLL (1996:359):
Trabalhar em sala de aula com a zona de desenvolvimento proximal implica que a professora esteja consciente dos estágios evolutivos das crianças e que seja capaz de planejar mudanças qualitativas no ensino, direcionando-o para uma certa meta. Embora cada criança seja única, as crianças obviamente compartilham características comuns. Se fazem parte da mesma tradição, as crianças de uma mesma sala de aula compartilham habilidades e uma parcela de conhecimentos. A instrução pode ser construída sobre essas características comuns, levando em conta que elas apresentam diferentes velocidades e maneiras de aprender. Assim, trabalhamos com a zona de desenvolvimento proximal como uma relação entre os passos instrucionais planejados e os passos do processo de aquisição de conhecimentos e aprendizagem das crianças.
De acordo com o autor, os professores tem uma importante tarefa a cumprir na elaboração de suas atividades para o desenvolvimento dos alunos e alunas, para que possam ultrapassar suas dificuldades e elaborar novos conhecimentos, na interação com todos os companheiros de sala de aula. No que se refere ao "erro" da criança, trabalhar com a zona de desenvolvimento proximal, no primeiro instante, não é fácil, porque a própria teoria sócio-histórico-cultural de Vygotsky apresenta um desafio: conhecer cada um dos alunos antes de iniciar as atividades de sala, porque a criança traz de casa todo um conhecimento adquirido no seu meio, tem uma história e pertence a um determinado grupo cultural. Todas essas características interferem na aprendizagem e no desenvolvimento do estudante e a grande maioria dos professores não tem "tempo" de dedicar alguns dias para esse estudo particular.
Cada criança é um indivíduo em particular, com suas características próprias e peculiares a suas origens, mas faz parte de um meio sócio-histórico-cultural que determina similaridades entre os indivíduos que comungam esse mesmo espaço. Com isso, o professor deve chegar a uma idéia de conjunto também para melhor encaminhar sua prática no cotidiano da sala de aula, porque seus alunos são "brotinhos" deste contexto, assim:
Uma criança é única e individual, mas as individualidades das crianças têm características comuns. Se essas características não são desenvolvidas, tendemos a olhar para a criança como desviante e oferecer-lhes instrução especial. Esta não deveria ser a função da pedagogia escolar, ou seja, a de oferecer instrução especial para cada criança em uma sala de aula. Pelo contrário, a instrução deve estar baseada no desenvolvimento de conhecimentos e habilidades comuns. HEDEGAARD in MOLL (1996:360).
Cada nova informação que obtenho neste estudo, incentivo-me a aprofundar mais nesta teoria, porque, de acordo com a citação acima, tendemos até a ficar em dúvida sobre nossas práticas anteriores. Tivemos uma educação pedagógica totalmente inversa a esses postulados, no que concerne à função da pedagogia: oferecer uma instrução especial para cada criança em particular, procurando sanar as dificuldades, os "erros" de cada criança, coisa que é quase impossível de se fazer, até porque somos um só professor para lidar com trinta a trinta e cinco alunos em sala de aula. A partir desta informação entendi melhor como poder trabalhar com ZDP na prática, em uma forma global, na interação com o grupo na sala de aula.
Cai por terra toda nossa concepção de educação. E eu diria "graças a Deus", porque embora a educação esteja como está, um caos, tenho uma certeza: essas novas idéias irão emergir com uma grande força, porque possuem uma sustentação consistente e adequada com a realidade deste final de século e estamos encontrando um facho de luz no fim do túnel para melhoria da educação brasileira.
E, em se tratando do nosso foco, o "erro", as escolas têm a velha atitude diante dele, não deixando as crianças mostrarem seus conhecimentos adquiridos, as mediações que realizam em contato com o novo, as representações que fazem dos conhecimentos, da escrita, da fala sistematizada pelas instruções da escola e as informações que recebe tanto fora como dentro da instituição escolar.
Diante deste quadro quero com o presente estudo contribuir para a reflexão acerca dos erros na abordagem sócio-histórica-cultural, confirmando com as indicações de ESTEBAN(1992:83):
Nesta perspectiva, o processo ensino/aprendizagem é fortalecido e, ao mesmo tempo, redimensionado. A preocupação não se reduz apenas a alcançar a resposta certa e a aceitar os "erros" que porventura a precedam. Trata-se de priorizar a possibilidade de alunos e professores, num processo interativo, construírem novos conhecimentos que realimentem o processo. O coletivo é recuperado como espaço de construção e apropriação do conhecimento.
Com o auxílio da zona de desenvolvimento proximal pode-se desprezar as medidas estabelecidas do certo e errado, buscando uma criança que interage com seu meio, com seus colegas em uma relação de co-construção de conhecimentos. A reprodução individual de conteúdos é abandonada; os erros, quando tratados, são vistos como construtivos, tendo em vista sua amplitude de compreensão daquilo que se sabe para aquilo que se procura saber em uma construção coletiva do conhecimento em sala de aula. Aquilo que a criança não consegue "ainda" realizar sozinha, e que ocasiona o "erro", mais tarde, com o auxílio do professor ou mesmo de uma criança mais experiente, conseguirá supri-lo, colocando-o como um "erro construtivo".
Neste contexto, busco a interação com uma autora que tanto vem me auxiliando com seu artigo em nossa pesquisa (id. ibid:84):
Uma outra forma de avaliação é possibilitada pela utilização do conceito de "zona de desenvolvimento proximal". A preocupação com o "erro" é retirada da sala de aula, sendo substituída pela incorporação do conhecimento em sua dimensão processual, dinâmica e criadora. Reorganizando a atividade escolar, a oscilação entre o não saber e o saber, com a mediação do ainda não saber, faz da aprendizagem um processo de fortalecimento do sujeito, que se percebe como potencialidade capaz de superar os limites impostos pelo desconhecido.
E como utilizar a zona de desenvolvimento proximal na prática cotidiana com os "erros"?
Após termos entendido o processo em que se dão os dois níveis de desenvolvimento na "zona de desenvolvimento proximal", de acordo com Vygotsky e alguns estudiosos da área, pode-se exemplificar da maneira que é peculiar no momento e como entendo que seja a prática.
Em uma situação normal de sala de aula de ciclo básico, uma criança tem uma dúvida e vai perguntar para a professora:
- Tia, eu não terminei de escrever o texto e ele não "cabeu" na folha?
A professora responde:
- Menino, não é "cabeu", é "não coube" e , se "não coube", vai para a outra folha.
Analisando este primeiro momento, a professora antes de responder a questão do aluno repreendeu-o por não ter falado certo a palavra, destacando a forma correta.
Passado algum tempo a mesma criança faz outra pergunta:
- Tia, a oração não "cabeu" nesta linha, o que eu faço?
- Menino, eu já não disse que não é "cabeu" é "não coube", e se "não coube" na mesma linha passa para outra, é claro.
Sabemos que esta situação é clara para a professora que já passou por um longo processo de escolarização, aprendeu regras gramaticais, como usar bem os verbos e não confundir as conjugações parecidas, mas a criança que está iniciando no mundo da linguagem escrita e falada acaba generalizando as regras, sendo normal falar "cabeu", especialmente se na sua casa ou em seu meio social, os mais velhos, sem escolaridade, dizem "cabeu", "bassora", "galfo", e outras variações lingüísticas existentes na sociedade desprivilegiada de uma educação formal.
No outro dia, a mesma criança diz para a professora:
- Tia, eu ganhei um sapato da patroa da minha mãe, mas não "cabeu" no meu pé.
A professora, irada, chega a gritar e assustar a criança:
- Menino, quantas vezes eu vou ter que repetir que é errado dizer "cabeu", o certo é "coube", para você não esquecer mais, vai escrever no caderno de caligrafia cem vezes a palavra "coube".
E lá começou o aluno a escrever "coube" no seu caderno. Passados alguns minutos e tendo escrito mais ou menos umas trinta vezes a palavra, o aluno pergunta para a professora:
- Tia, acabou a folha e não "cabeu" o que eu faço?
Dada esta situação, que já ocorreu com vários de nós professores de 1ª e 2ª séries do ensino básico, porque o "cabeu" é uma forma que resulta da analogia com o padrão das formas verbais regulares, conduzindo a que as crianças acabam generalizando e dizendo "cabeu" mesmo, vamos analisá-la na Zona de Desenvolvimento Proximal.
A criança possui conhecimentos da língua que fala no seu meio sócio-histórico-cultural, que são conhecimentos que ela adquire no contato com outras pessoas e que lhe são passados através de conversas, de brincadeiras, de companhia, o que é chamado de desenvolvimento real, que como já foi discutido, é aquilo que a criança já possui. É bem o que ocorreu com o aluno acima citado. Ele se expressava bem, mas não estava conseguindo resolver o problema do espaço do caderno, porque quando a criança entra na escola e começa a utilizar papéis, folhas em branco e logo passa para o caderno, às vezes, se não sabe realmente o que fazer com o restante do texto, da frase, se não coube na mesma linha, ou na mesma folha, as noções de espaço não foram bem trabalhadas e compreendidas, fazendo que dúvidas surjam neste tipo de procedimento.
A função da professora neste momento é muito importante, para não dizer, essencial. Se destaca, assim, o papel do professor no cotidiano da sala de aula na presente linha teórica, pois este vai interferir no assunto explicando à criança o que deve fazer com o restante do texto ou da frase e de uma forma sutil, dizendo, sem chamar tanta atenção para não enfatizar o "erro": "Se não coube, escreva na outra linha ou na outra folha", procurando na dinâmica da conversa ou na explicação de alguma outra matéria dizer várias vezes a palavra coube, destacá-la em um texto, em atividades. Exercendo sua prática desta maneira, seu aluno vai, ao ouvir a palavra correta, perceber e começar a falar o certo.
O procedimento da professora que descrevemos pode-se dizer que se encontra no intervalo da aprendizagem, ou seja, na ponte, no plano da zona de desenvolvimento proximal com destino para o desenvolvimento potencial, pois a idéia ainda não está madura, mas com a intervenção da professora acabará por chegar ao fim do processo.
Este exemplo pode ser simples, mas quero deixar claro que é uma situação real que aconteceu em sala de aula quando trabalhava com crianças pequenas. É claro que não foi exatamente com foi mostrado, mas, quanto à pronúncia da palavra, todos os anos encontrava algumas crianças com essa dificuldade e, no início, cheguei a chamar a atenção, repetir várias vezes, mas com o tempo fui percebendo que não estava dando resultado e modifiquei a maneira, tentando, sem que o aluno notasse, falar o modo correto sem "broncas" e o resultado foi extremamente positivo.
O presente estudo sobre o "erro" com o suporte teórico vygotskyniano é novo e estou construindo a partir de informações de autores que estudam a teoria e das obras traduzidas de Vygotsky. Sei que corro o risco de cometer alguns desvios, mas tenho a intenção de estar no início, assumindo o compromisso de dar continuidade em futuros estudos que virão no decorrer dos próximos anos, porque tenho um pensamento que o "erro" é gerador da zona de desenvolvimento proximal e quero confirmar esta hipótese para um futuro bem próximo.
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